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HOWARD MARKS E NOSSAS REFLEXÔES SOBRE MERCADOS DE NICHO



Li há alguns meses um dos memorandos do Howard Marks para os clientes da OakTree que me fez refletir sobre meu portfólio de investimentos e nossa estratégia na Niche Partners. Além de ser um dos mais lendários investidores globais, ele tem uma capacidade de análise e de colocar as idéias no papel de forma simples e objetiva como poucos. Seu livro, The Most Important Thing, é leitura obrigatória para qualquer um que queira se aprofundar no mundo dos investimentos.

No memo supracitado, ele fala que o mundo atual nos traz muitas incertezas, e que as probabilidades não estão do lado do investidor. Além disso os mercados estão muito vulneráveis a surpresas negativas. Fala ainda que as baixas taxas de juros são a característica dominante no mercado atual, e que criaram uma expectativa de baixos retornos como nunca vista na história para os investimentos.

Nesse contexto duro, aponta ainda as únicas alternativas estratégicas que ele enxerga para qualquer investidor, que listo abaixo, incluindo os comentários dele (sem nenhuma opinião minha) para cada uma das alternativas que ele propõe (tradução não literal):


1) Investir como você sempre fez e esperar retornos semelhantes: na visão dele, os tipos de ativos que você costumava ter na sua carteira no momento estão precificados de forma a te fornecer retornos menores. Não vê como crível essa alternativa.


2) Investir como você sempre fez e se contentar com retornos menores: é uma alternativa realista, mas não muito excitante.


3) Reduzir o risco dada a alta incerteza, e aceitar retornos esperados ainda menores: acha que faz sentido, mas os retornos serão ainda menores que a alternativa 2.


4) Deixar o dinheiro em caixa, com retorno próximo de zero, e esperar por um ambiente melhor: ele não acredita que essa seja uma boa alternativa, além de muitas instituições não poderem fazer isso.


5) Aumentar o risco na busca de melhores retornos: essa alternativa “supostamente” funciona, mas não necessariamente, em especial num ambiente onde tantos investidores estão buscando a mesma coisa. Ele argumenta que em momentos de incerteza, não é tempo para agressividade, dado que os retornos absolutos potenciais não parecem compensar esse risco.


6) Colocar mais dinheiro em nichos especiais e gestores de investimentos especiais (termo usado por ele): em outras palavras, se mover para alternativos, ativos privados e mercados de “alfa”, onde supostamente existem mais potencial para barganhas. Mas ao fazer isso, você introduz mais iliquidez e risco ao gestor, não é um almoço grátis.


Na opinião de Howard Marks, nenhuma alternativa é completamente satisfatória e livre de downside, mas na sua visão não existem outras.

E ele conclui não dizendo qual alternativa adotou ou o blend delas, mas fala que mesmo reconhecendo seu viés, prefere ser mais defensivo nesse momento, dado o mercado de provável de baixos juros (que devem durar por anos) e baixos retornos. Encerra dizendo que nesse contexto é difícil de achar algo que dê “agua na boca”...

Ler essa carta me ajudou bastante a refletir na maneira que venho alocando meu capital e meu tempo, além de muitos aprendizados e reflexões que compartilho aqui com vocês.

O primeiro ponto que é importante a ressaltar é que cada pessoa tem um apetite a risco, e que risco também é um conceito relativo, dado que depende muito do conhecimento e das experiências que cada um tem na vida.

O simples fato de ter sido empreendedor/gestor de uma empresa brasileira por mais de 20 anos, ter vivenciado de perto setores muito “nervosos” como a logística, agro, frigoríficos e varejo (haja pimenta nesse molho...), me faz não só ter mais apetite a risco, como também ter mais capacidade de discernir melhor o que é, e não é risco real, não na teoria, mas na prática de quem viveu muitas situações extremas (falando aqui do dia a dia das empresas, não do cenário macro).

Durante muito tempo quase todo meu capital estava num único ativo, a AGV Logística. O que pode parecer uma loucura para uns, não deve ser na opinião da maioria se não a totalidade das 10 pessoas mais ricos do mundo, que ganharam quase tudo com uma única empresa. Mas também é obvio que para cada Jeff Bezos, tem 1 milhão de empreendedores que se deram mal e ninguém fica sabendo.

A verdade é que eu quase não vendi 100% da AGV ano passado, por dois motivos simples: eu conhecia demais os riscos da empresa e me sentia muito confortável com eles no curto e médio prazos, além de ser uma empresa líder de nicho, com margens excelentes e crescentes, crescimento de dois dígitos consistente e ROIC de quase 50% (ou 88% no mercado dominante).

Além disso, o grande desafio era onde investir meu capital em ativos com a mesma qualidade. Com uma certa angústia (conto a história mais pra frente), honrei meu compromisso com meus sócios de buscar a melhor venda maximizando os retornos e concluímos a venda de 100% da companhia em dezembro de 2019. Assim, comecei 2020 com dinheiro em caixa, tendo que buscar onde alocar bem meu capital nesse mundo de juros zero, e logo em seguida veio a pandemia para trazer ainda mais incertezas.

Já contei em outras cartas de onde nasceu a idéia da Niche Partners, os conceitos por trás disso, mas vou elaborar um pouco mais sobre alguns pontos que me trouxeram até aqui, e o que pretendemos fazer e o porquê, dando mais cor a nossa estratégia que está enquadrada na 6ª e última alternativa elencada pelo gestor da Oaktree.

Certamente não é uma estratégia para alocar a maior parcela do capital para a grande maioria das pessoas, dado o risco percebido e potencial iliquidez, mas se você não tem algo de Nicho na sua carteira, certamente a meu ver deveria, do tamanho que seu perfil te deixe dormir tranquilo e com um gestor da sua confiança. No meu caso será a maior parte do patrimônio, e as maiores posições individuais, pelos motivos que elenco abaixo:


a) Share Alto / oligopólios - Em 2010 me deparei com um relatório do Citi sobre a Vale. Nesse relatório tinha o gráfico abaixo, que mostrava a concentração da produção na mão das 3 maiores mineradoras, e os retornos sobre o capital empregado (ROIC). Ele só mostrava o óbvio, quando mais concentrado o mercado (oligopólio), maior o ROIC. Isso se aplica quase qualquer setor, podemos citar por exemplo aqui no Brasil o caso dos bancos, da Ambev, apenas pra ficar em outros 2 setores.



Como diz Peter Thiel no maravilhoso Zero to One, sobre empreendedorismo e tecnologia, a meta de qualquer empreendedor deveria ser ter um monopólio do seu mercado. Quando isso acontece, a criação de valor vem de maneira brutal. Haja visto os “monopólios” modernos como Google e Facebook, por exemplo.

Assim, buscamos empresas dominantes, com share alto, mas sem ter que pagar múltiplos altos (muitas vezes merecidos) das líderes em mercados públicos (parte importante da minha carteira também está nisso).


b) Mercados de Nicho


Como o dicionário define Nicho?

Os itens que eu mais gosto aqui são o “pequena morada” e “geralmente oferece novas oportunidades de negócio”


Como eu infelizmente estou milhares de anos luz da genialidade do Bezos, que numa de suas cartas maravilhosas falou que um negócio ideal é uma empresa que: 1) os clientes amam, 2) num bom mercado (entre as características mercado grande), 3) com modelo de negócio bom e 4) com cultura/equipe excepcional, vou me contentar em buscar tudo isso, menos grandes mercados. Nosso foco é dominar mercados pequenos. Contudo, a soma de muitos pequenos mercados adjacentes podem fazer algo bem grande, e que crie muito valor aos participantes deste mercado.

Mas porque mercados pequenos? Simples. Ninguém que seja competente demais vai gastar um tempo enorme, energia e capital, para tentar desbancar um líder competente e que tem escala e diferencial competitivo num mercado que não seja grande. Simplesmente pelo motivo de que não vale a pena.

Tente fazer um pitch para meus ex-sócios da Monashees e pedir dinheiro para disruptar um mercado (TAM – Total Addressable Market) de R$400 milhões ano. A única certeza que tenho é que sairá com um não. O que qualquer bom VC busca é: um time excepcional, capaz de resolver um problema relevante num mercado enorme, usando tecnologia. Do contrário dificilmente alguém fará 10x capital, que é o que eles tem que mirar, dado que parte importante as novas empresas ficarão pelo caminho.

Outro ponto da nossa estratégia é focar em empresas que não estão no radar de muita gente. Como diria outro ex-sócio Sam Zell, “liquidity equals value”. Se você tem muita competição por um ativo, o preço sobe. Gostamos de procurar empresas que estão abaixo do radar dos fundos e dos estratégicos, o que não nos força a pagar caro, mas um preço justo. Mas ao juntar várias empresas embaixo de um guarda chuva, nos permitirá no futuro vender com um prêmio de múltiplo pela escala (Roper e Constelation, são ótimos exemplos disso).

Uma das importantes forma de gerar valor para um private equity é a expansão de múltiplo. Essa eu aprendi com o Kinea outro ex-sócio, que sempre é minoritário, e não paga consequentemente prêmio de controle, mas sempre vende com o controlador capturando o prêmio. No nosso caso é um pouco diferente pois nosso foco é comprar controle, a preço justo mas menores do que o de saída, e trazer juntos o sócio, de forma que ele também ficará feliz pois capturará um valor maior na parte remanescente, pela expansão de múltiplo devido entre outras coisas à escala da companhia.

A outra característica é que essa empresa líder, com o time certo, muito foco no cliente, vai ser capaz de achar “aquela” nova oportunidade de negócio. Como diz a Roper, niche markets are wide open! A equipe certa, com a cultura certa e foco, sempre vai criar novas oportunidades além das enxergadas hoje.


c) Tipo de empresa ideal para mundo VUCA


Num mundo de cada vez mais volatilidade, incerteza, complexidade e ambiguidade, para mim é muito claro as duas caraterísticas mais importantes das empresas vencedoras:


Foco (e Agilidade) – se aprendi uma coisa sobre negócios é que foco é determinante de sucesso. Num mundo onde as coisas mudam muito rápido, se você não tem uma empresa muito voltada para o cliente e para o mercado, ela não consegue a tempo entender as mudanças e se adaptar. Na AGV quando quebramos a empresa em duas, com dois CEOs focados nos seus nichos, o resultado melhorou muito. Até porque a tendência de qualquer gestor é focar seu tempo (corretamente) onde estão as maiores oportunidades. Assim, sempre o patinho feio, não vai ter a atenção devida. Fora que a complexidade mata a capacidade de agir rapidamente, fundamental no mundo Vuca. Entre foco e sinergia, ficamos sempre com o foco. Uma estrutura enxuta, muito focada no cliente, onde as decisões são tomadas e implementadas rapidamente são fundamentais.


Cultura – como diria Peter Drucker “a Cultura come a estratégia no café da manhã”. A cultura sem dúvida é um diferencial competitivo das empresas vencedoras. E não existe uma única cultura e um modo certo de se fazer as coisas. Para uma empesa dar certo, temos inúmeros fatores que foram construídos ao longo do tempo, cultura é o azeite dessa engrenagem, e que faz cada empresa ser única. Vamos pegar duas empresas vencedoras: Ambev e Heineken. Fazem o mesmo tipo de produto, são muito bem sucedidas e não poderiam ter culturas mais diferentes. Itaú e Bradesco idem. Sem falar que o maior problema que as empresas enfrentam em M&A estão ligadas a essa questão da cultura. O tipo de óleo ideal não é o mesmo para diferentes máquinas. Até quando você contrata uma estrela de uma empresa com cultura forte e integra no seu negócio que também tem cultura forte, a chance de dar errado é enorme. Isso é super comum, até tema de livro do Boris Groysberg professor de gestão de pessoas de Harvard.


Ter um cultura que seja focada no cliente e que brinde a mudança e a inovação são características fundamentais para esse mundo cada vez mais dinâmico.

Porque a Amazon não acabou com a Netflix com o Amazon Prime Video? Porque o Google com seu Google+ não desbancou o Facebook? Porque a Apple não dizimou o Spotify com seu serviço de música? Porque a grande vencedora dos aplicativos de videoconferência foi a Zoom e não a Microsoft? A resposta não se limita a estes dois pontos, mas garanto que Foco e Cultura explicam 80% do sucesso das vencedoras.

Na Niche nosso projeto prevê comprar ótimas empresas, líderes nos seus Nichos, e entendo que o que as levou a essa posição é o foco e a cultura. Manter e reforçar esses atributos são nossa prioridade. Nosso papel principal é ser o guardião destes elementos, e como diz o CEO da Netflix no seu maravilhoso livro recém lançado, aumentar a “densidade de talentos”, não apenas retendo os talentos principais, mas complementando e aumento a diversidade com pessoas que possam ajudar a executar as poucas prioridades que farão muita diferença para os clientes e consequentemente para os resultados.


d) Modelo de negócio.


Buscamos modelos de negócio sólidos, que tenham vantagens competitivas claras, receitas recorrentes, que sejam asset light e, consequentemente, gerem muito caixa.

Amamos caixa. Essa é a nossa métrica principal. Como aprendi na AGV de maneira bem dura, “cash is a fact, profit is an opinion”. Ainda mais no mundo do Ebitda ajustado pós Covid...

Nosso modelo de negócio prevê disciplina na filosofia de investimento, estratégia compartilhada com o time de gestão, execução descentralizada e alocação de capital do caixa gerado nas diversas empresas de maneira centralizada, sempre buscando acelerar o crescimento orgânico, projetos com alto retorno, novos M&As com disciplina, potenciais recompras quando houver oportunidade e dividendos que tragam o maior ROIC com uma visão de longo prazo. Fazendo isso com competência, buscamos compor altos retornos ao longo de muitos anos.

Ter lido em 2012 o relatório anual da Roper, foi pra mim aquele momento Aha! Estes conceitos todos se cristalizaram e consegui olhar para minha própria experiência e ver isso na prática. Com a vantagem de ser um modelo muito escalável, onde cabe muito capital por consequência.

Minha primeira experiência prática não teve nenhum glamour, em 1997, logo após me formar na GV e passar 1 ano de muito trabalho e diversão na nossa ilha do amor, a Jamaica brasileira, São Luis do Maranhão. Meu pai tinha negócios ligados a cadeia da carne, mais de 20 empresas entre fazendas, frigoríficos, distribuidoras, redes de açougues, transportadora, etc. De longe, o melhor negócio, era uma rede de casas de carne, que existe até hoje e vende mais de 60% de toda a proteína animal vendida em São Luis.

Não época não sabia o porque o negócio era tão bom. Hoje, é fácil entender: share alto, mercado de nicho, foco, cultura e modelo de negócio. Negócios assim, comprados a preços atrativos dado a falta de liquidez e competição, são na nossa visão uma excelente oportunidade de alocação de capital, com uma relação risco/retorno muito atrativa, e por isso que é onde tenho a minha maior posição da minha carteira de investimentos (put your money where your mouth is).

E o que nos dá água na boca? Apesar de adorar carne e o negócio que meu pai tinha de casas de carne, é o setor de tecnologia, não o de açougues. Poder colocar as “fichas” pra trabalhar na “mesa” que eu quiser, sem pressão de tempo, tem muitas vantagens. Nosso foco são empresas de médio porte, com aquelas características de share alto, mercado de nicho, foco, cultura e modelo de negócio que falamos acima.

Nosso propósito na Niche é ajudar a perenizar histórias e legados que foram construídas a partir de muito suor e sonhos comuns, para que continuem a transformar as vidas de milhões de pessoas. Achar empresas assim, e ajuda-las a atingir um novo patamar é muito gratificante para todos nós do time Niche e SK Tarpon.


Não poderia trabalhar com algo que eu goste mais!


Abraços e até a próxima,


Vasco Oliveira

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